“Ficam reprimidas as energias daquilo que
não foi vivenciado no momento correto…”
Esta cena soa familiar?
O brincar é fundamental no crescimento e aprendizado de crianças e não é perder tempo. Pelo contrário, brincar é uma coisa muito séria, tão importante como comer ou respirar, por exemplo.
“Crianças que brincam são mais plenas e felizes, e se tornarão adultos mais plenos e felizes também. As crianças que brincam aprendem mais e melhor, sabem viver. Muitos pais se angustiam porque seus filhos dedicam muito tempo ao ócio, mas isso é a coisa mais séria que existe “, diz Javier Abad Molina, espanhol, doutor da Universidade Complutense de Madri e especialista em arte-educação.
“Existe um pensamento científico, um racional, um matemático e um lúdico. Todos devem ser encorajados da mesma forma para desenvolver uma identidade completa. O pensamento lúdico é fundamental para entender a vida de uma maneira diferente, para que as crianças percebam que são capazes de mudar suas vidas, de transformar seu ambiente “, disse Abad.
Mas não é para abarrotar as crianças com brinquedos, deixá-los sozinhos e pronto. Se trata, dizem os especialistas, de acompanhá-los, de tirar os sapatos e se sujar com eles.
“Quando brincam, as crianças descobrem o mundo e expressam o que vivem e o que sentem. Não há nenhuma outra atividade em que se posam expressar e se descobrir tanto”, diz Adriana Friedmann, doutora em antropologia e especialista em educação.
“O brincar é o mais importante da aprendizagem e para o desenvolvimento das crianças desde o nascimento e até os 6 anos de idade.”
Diferentes estudos têm demonstrado nos últimos anos que o brincar facilita a formação de vínculos, as relações com seus pares (outras crianças) e a participação social, além de que os ajuda a desenvolver habilidades para resolver conflitos que leva a uma conduta de conciliação e aumenta a convicção de agir corretamente numa situação particular. De acordo com Peter Grey, psicólogo e professor da Boston College, nos Estados Unidos, citado pelos especialistas que se reuniram em Bogotá, “o brincar é a energia instintiva mais importante com o qual a criança nasce para educar a si mesma”.
“Muitas vezes nós adultos nos adiantamos e sentimos ansiedade para que nossos filhos façam coisas as quais ainda não estão prontos e que farão de maneira natural: ler, escrever, somar e subtrair. Se não respeitarmos o tempo das crianças, que quando pequenas é o tempo de viver, brincar, descobrir, ter experiências, cair e ficar sujo, elas vão pular etapas fundamentais em seu desenvolvimento psíquico e físico “, explica Friedmann.
“Hoje em dia existem tantos estímulos que muitas vezes, sem querer, nos adiantamos e forçamos as etapas. Precisamos deixar de lado o medo de que as crianças estão perdendo tempo com o ócio, nos primeiros anos de vida as crianças precisam usar seus sentidos e é indispensável o contato com a natureza “, acrescenta.
Claro, nenhum pai quer que seu filho se machuque e por isso especialistas em educação recomendam promover o brincar em ambientes seguros, mas também deixar que caiam e se levantem sozinhos, porque isso vai acontecer mais tarde na vida.
E que papel desempenham os dispositivos eletrônicos, que hoje muitos pais dão aos filhos, mesmo quando não aprenderam a falar ou a andar, a fim de entretê-los?
Nos preocupa que haja bebês ou crianças muito pequenas hipnotizados por tablets ou telefones celulares. O problema é que os bebês precisam usar todos os seus sentidos para descobrir o mundo, colocar as coisas em sua boca, sentir, cheirar, tocar, ouvir… Se dermos somente dispositivos eletrônicos, o seu cérebro vai se colocar em movimento, e o resto do corpo e os sentidos ficarão congelados “, diz Friedmann.
Para ela, quando um pai ou uma mãe dá um telefone celular para seu filho “para ele ficar parado”, eles não estão aproveitando a oportunidade de interagir com outras crianças, de se relacionar com o espaço e com a terra, com os objetos que o rodeiam. “Isso deve ser feito mais adiante e de forma equilibrada com a arte, a música, o movimento”.
Nos últimos 50 anos, se reduziram as oportunidades e os espaços para as crianças brincarem e que coincide com o aumento dos transtornos mentais na infância e com um aumento de quatro vezes na taxa de suicídio em crianças menores de 15 anos.
Pensando nisso, os peritos da Universidade Nacional da Colômbia realizaram uma pesquisa com 540 crianças de várias regiões do país, tanto de zonas rurais como urbanas. Os resultados, apresentados no Encontro, foram contundentes. As crianças que mais brincaram, “em situações de brincar livre e dirigido”, apresentam as maiores competências emocionais, cidadãs e de criatividade que os que não tiveram essas oportunidades.
“O que as crianças aprendem brincando não esquecem nunca. Desde que nascemos, nós seres humanos brincamos com percepções, cores, texturas, sons, carícias, porque o mundo não é só pensamento racional cognitivo “, assegura Javier Abad.
“O pensamento lúdico é profundo por que fica registrado na memória corporal das crianças, de tal forma que quando adultos tratamos de manter o equilíbrio, por exemplo, sentimos prazer porque isso está na nossa memória lúdica, porque brincamos de nos balançar quando éramos crianças”.
Aqueles que quando crianças não brincaram o suficiente, quase sempre têm problemas comportamentais e de aprendizagem e, em algum momento – pré adolescência, adolescência ou na idade adulta – terão de viver essas etapas, porque “ficam reprimidas as energias e o que não foi vivido no momento certo, os seres humanos sempre buscarão maneiras de viver”.
É que, de acordo com Abad, brincar é como respirar.
“E brincar porque é o melhor jogo. Brincar sem pensar sobre a produtividade, brincar sem um motivo específico. O brincar deve fazer sentido, e não ser uma meta.”
Laila Abu Shihab – Tradução: Leonardo Maia